quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Peace & Noise: Patti Smith no Brasil e minha nostalgia atualizada

Ouvir Patti Smith novamente aos 35 anos me passa um sentimento de familiaridade muito forte. Apesar de nunca ter sido fã de poesia, essa poetisa ganhou minha atenção aos 15 anos de idade quando ouvi (vi) uma parceria dela com o REM ("E-bow the Letter", clip pois eu era grande assistidora da MTV no idos de 1990/2000).

Comecei a dar uma pesquisada, mas até então ela era mais nome para mim do que alguém que eu realmente conhecia. Até que a internet se tornou algo maravilhoso. Sim, pra mim que passou por essa transição global, a internet é algo maravilhoso que ampliou nosso acesso às informações do mundo e nos fez conhecer e aprofundar nosso conhecimento pelo poder do compartilhamento. 

Durante a minha graduação, me deparei no PC da minha casa e no arquivo de música que compartilhava com meu irmão os álbuns Peace & Noise e Horses (Legacy Edition) dela. Inicialmente, me vi inclinada a ouvir quase que diariamente "Gloria" e "Redondo Beach" praticamente todos os dias. "1959" às vezes. Engraçado como a gente vai modificando nossas referências e gostos artísticos durante nossa vida (e tá tudo bem, tá?!).

A atenção que havia dado a ela aos 15 anos tomou uma parte do meu coração aos 27 anos (talvez, não sei precisar). Eu carregava comigo esses dois álbuns dentro de um MP3 player junto de outras soltas ("People have the power", "Because the night", Frederick"...), ao lado de vários outros e completamente diferentes artistas (como diz meu companheiro, ouvindo minha lista de favoritos no Spotify, nunca se sabe o que vai surgir e nada se conecta... e é isso mesmo).

E aí veio o 2013 que consumiu boa parte do meu tempo por conta da minha militância no PSTU. E aí eu estava exercendo minha solteirice de forma plena e experimentando (inclusive musicalmente).  E aí eu conheci meu companheiro. E aí eu fiquei grávida!

(2012 e 2013 são memoráveis pra mim. Parece que vivi  em 2 anos o que os 7 anos de relacionamento abusivo não me deixou viver: felicidade.)

E aí eu sem querer deixei a Patti Smith de lado. Até esse final de semana passado em que eu vi que ela vai tocar em SP. Isso acendeu uma chama em mim (como queria ir vê-la, mas não será possível). Peguei meu amigo Spotify e entrei no perfil dela. Abri e havia lá meus companheiros Peace & Noise e Horses (obviamente que há todos os álbuns que foram devidamente engolidos e apreciados e chorados e... tudo). Vivi em um final de semana os anos que sem querer me afastei da Patti Smith.

No primeiro riff de "Waiting Underground" eu já fui levada "If you believe all your hope is gone down the drain of your humankind..." . Sorriso de orelha a orelha. Tão, mas tão, mas TÃO familiar. Sei nem explicar. Acho que a sensação foi de acolhimento... Sei lá! Como eu senti saudades, Patti!

Enfim, vão lá dançar descalços nos shows que ela fará! Eu vou tentar aqui alguma plataforma pra acompanhar ao vivo (será que tem?). Ou só vou colocar a música dela alto mesmo e incomodar os vizinhos, dançado comigo mesma ou com meu filho ("coloca a música rock, mamãe!" *tocando uma guitarra imaginária e rebolando*)... "I'm dancing barefoot!"

terça-feira, 3 de setembro de 2019

O maior inimigo de uma mulher? A falta de tempo para si mesma Por Brigid Schulte

alguns meses atrás, enquanto eu lutava para conseguir tempo nos meus dias turbulentos para escrever, uma colega sugeriu que eu lesse um livro sobre os rituais diários de grandes artistas. Mas, ao invés de me oferecer a inspiração que eu esperava, o que mais me chamou a atenção sobre esses gênios criativos – na maioria homens – não foram seus horários e rotinas diárias, mas sim das mulheres em suas vidas.
Suas esposas os protegeram de interrupções; suas empregadas domésticas traziam seus cafés em horários estranhos; suas babás cuidava para que suas crianças não os atrapalhassem. Martha Freud não só arrumava as roupas de Sigmund toda manhã, como até colocava a pasta de dente em sua escova. A empregada de Marcel Proust, Celeste, não só trazia seu café diário, croissants, jornal e correspondência, mas também se prontificava a conversar com ele sempre que ele quisesse, muitas vezes por horas. Algumas mulheres são emocionadas somente pelo o que elas tiveram que aguentar, como a esposa de Karl Marx – sem nome no livro – que viveu na miséria com 3 de seus 6 filhos enquanto ele passava seus dias escrevendo no Museu Britânico.
Gustav Mahler casou-se com uma promissora compositora chamada Alma, depois a proibiu de compor, alegando que somente poderia haver um na família. Logo, era esperado que ela mantivesse a casa em total silêncio para ele. Depois de sua nadada vespertina, ele chamava Alma para acompanhá-lo, pisadas silenciosas para que enquanto ele compunha mentalmente. Ela se sentava num galho ou na grama, sem ousar perturbá-lo. “Existe uma batalha acontecendo dentro de mim!” Alma escreveu em seu diário. “E uma espera miserável por alguém que pense EM MIM, que me ajude a ME encontrar! Eu fui rebaixada a uma empregada!”
Diferentemente dos artistas homens, que se movem pela vida como se o tempo para si mesmo sem limites fosse um direito de nascimento, os dias e trajetórias de vida de um punhado de artistas mulheres destacados nos livros eram frequentemente limitados pela expectativa e deveres da casa e do cuidado. George Sand sempre trabalhou tarde da noite, uma prática que começou quando ela era adolescente e precisava cuidar de sua avó. No começo, os dias de escrita de Francine Prose eram definidos pelo horário de ida e volta do ônibus escolar de suas crianças. Alice Munro escreveu nas “lascas” de tempo que achava entre o trabalho doméstico e o cuidado com as crianças. E Maya Angelou fugiu dos deveres da casa, deixando completamente ao se hospedar num quarto de hotel barato para pensar, ler e escrever.
Até mesmo Anthony Trollope, que famosamente escrevia 2,000 palavras antes das 8h da manhã todos os dias, provavelmente aprendeu com sua mãe tal hábito, quem começou a escrever aos 53 anos de idade para auxiliar seu marido doente e seus 6 filhos. Ela levantava às 4h da manhã e terminava seu trabalho a tempo de servir o café da manhã à família.
Penso em todos os livros, pinturas, música, descobertas científicas, filosofia aprendida em sala de aula – a maioria de homens. O maestro Zubin Mehta disse uma vez, “Eu simplesmente não penso que mulheres devam estar numa orquestra”, como se elas não tivessem o temperamento ou talento. (As audições às cegas acabaram com essa noção.) Penso numa entrevista com Patti Scialfa sobre como ela difícil para ela escrever música para seu álbum solo porque suas crianças a interrompiam e demandavam seu tempo de uma forma que nunca fariam com seu pai, Bruce Springsteen. E aí me atingiu: não é que as mulheres não tivessem talento para deixar suas marcas no mundo da ideia e das arets. É que elas não tinham tempo para isso.
O tempo da mulher vem sendo interrompido e fragmentado pela história, os ritmos de seus dias circunscritos por tarefas entediantes do trabalho doméstico, cuidados com a criança e familiar – mantendo os laços familiares e comunitários fortes. Se o necessário para crias são longas extensões de tempo ininterrupto e tempo de concentração, tempo para escolher o que quiser fazer, tempo que você possa controlar, isso é algo que uma mulher nunca teve o privilégio de esperar, pelo menos não sem ser apontada como uma egoísta indecorosa.
Até hoje, pelo mundo todo, com tantas mulheres na força de trabalho paga, algumas mulheres ainda passam pelo menos duas vezes mais tempo que homem fazendo trabalhos domésticos e cuidando de crianças, às vezes muito mais. Um estudo com 32 famílias em Los Angeles encontrou que o tempo ininterrupto de lazer da maioria das mães durava, mais ou menos, não mais que 10 minutos em extensão. E, mapeando a vida cotidiana de acadêmicas, a socióloga Joya Misra e seus colegas viram que o trabalho diário das professoras mulheres eram mais longos do que seus colegas homens, quando contabilizado o trabalho não pago em casa. E mais, ela viu que os homens e mulheres que estudou gastaram a mesma quantidade de tempo no trabalho pago. No entanto, o tempo de trabalho forma das mulheres também sofria interrupções e era fragmentado, picado por mais serviços, aconselhando e palestrando. Os homens passavam seus dias de trabalho em longas extensões sem interrupção durante seu tempo de reflexão, pesquisa, escrita, criação e publicação para se promoverem, fazerem seus nomes, progredir em suas carreiras e espalhar suas ideias pelo mundo.
Em sua aula de Teoria do Lazer, Thorstein Veblen escreveu que pela História as pessoas que tinham a habilidade e de escolher e controlar seu tempo eram os homens de alto status. Ele dispensou as mulheres na página dois, escrevendo que elas, junto a servos e escravos, sempre foram responsáveis pelo trabalho árduo que permite que aqueles homens de alto status pensem seus grandes pensamentos. Pesquisadoras feministas argumentaram que as mulheres frequentemente tinham, no máximo, “lazeres invisíveis” – agradáveis, porém produtivos e socialmente sancionados, atividades como costurar e cozinhar em grupo ou clube de livros. Mesmo assim, o lazer por si só, criando tempo para si mesmas, era nada mais do que um corajoso, radical e subversivo ato de resistência. Mais fácil, um pesquisador brincou, se, como o escritor, compositor, filósofo e místico Hildegard de Bingen, você se tornasse freira.
Pesquisadoras feministas também viram que muitas mulheres não sentem que merece longas extensões de tempo para si mesmas, da forma como os homens sentem. Elas sentem que precisam ganhar esse tempo. E o único jeito de conseguir é ao final de uma longa lista de afazeres: as tarefas do dia, como Melinda Gates escreve em seu novo livro, “Matando os sonhos de uma vida”. De fato, eu estive tentando conseguir o tempo para pensar e escrever esse artigo por mais de 4 meses. Todos os dias que sentei para começar, recebia algum telefonema ou e-mail emergencial de meu marido, filho ou filha; minha mãe, lidando com a estranha fronteira e burocracia sem fim de uma recém viúva; a companhia do cartão de crédito; ou um mecânico sobre uma emergência ou outra qualquer atenção imediata para evitar algum desastre.
Eu lembro de entrevistar a psicóloga Mihaly Csikszentmihalyi, famosa por identificar o estado de fluxo (flow), o pico da experiência humana quando alguém fica absorto numa tarefa significativa em que o tempo efetivamente desaparece. É o estado em que artistas e pensadores dizem ser obrigatório para criar qualquer coisa de valor. Eu perguntei para ele se a pesquisa explorava se as mulheres tinham a mesma oportunidade de chegar ao fluxo tanto quanto os homens. Ele pensou por um tempo, depois me contou a história de uma mulher que se perdeu no tempo enquanto passava as blusas do marido.
A poeta Eleanor Ross Taylor viveu sua vida na sombra do marido, o ganhador do Pulitzer de novelista, escritor de contos e professor Peter Taylor. “Durante os anos, muitas vezes eu fala ao poemas ‘Vão embora, eu não tenho tempo agora’”, ela disse a um entrevistador em 1997. “Mas isso era um pouco de preguiça. Se eu realmente quisesse escrever, eu poderia. Pelo menos eu deixava a casa escovada e encerada e esse tipo de coisa”.
Eu sinto uma sensação de perda quando eu penso nos grandes, não-escritos poemas que ficaram atrás do chão encerado. E por um bom tempo, pensei que a expectativa de que os outros fossem atendidos primeiro e que os pisos fossem polidos e que era ela quem deveria mantê-los dessa maneira, era o que mantinha aquelas histórias não contadas enroladas dentro dela, comprimidas, como Maya Angelou escreve, a ponto de sofrer. Mas me pergunto se não é também que as mulheres sentem que não merecem tempo para si mesmas, ou o suficiente disso em extensões ininterruptos. Gostaria de saber se também sentimos que não merecemos contar nossas histórias não contadas, que elas podem não valer a pena ser ouvidas.
O escritor VS Naipaul afirmou que nenhuma mulher escritora era seu correspondente, que a escrita feminina era muito “sentimental”, sua visão de mundo muito “estreita” – porquê, você sabe, a vida dos homens são o padrão da experiência humana. E frequentemente penso: se uma mulher escrevesse com todo cuidado uma novela de seis volumes sobre sua própria vida teria recebido a mesma atenção e clamor internacional que o escritor norueguês Karl Ove Knausgaard, autor de “Minha Luta”?
Virginia Woolf uma vez imaginou o que teria sido de Shakespeare se ele tivesse nascido mulher, ou se ele tivesse uma irmã igualmente talentosa. (Pense na prodígio musical Nannerl Mozart, cujas primeiras composições foram louvadas como “belíssimas” pelo irmão Wolfgang, mas que se perdeu, ou permaneceu enrolada por dentro, não-escrita, enquanto ela desaparecia num casamento esperado, porém sem amor).
A mulher Shakespeare, Woolf escreveu, nunca teria tido tempo ou habilidade de desenvolver sua genialidade – barrada da escola, mandada a se preocupar com o ensopado, esperado a se casar jovem e espancada caso não o fizesse. No conto de Woolf, a irmã de Shakespeare, apesar de seu grandioso dom, enlouqueceria, morta ou silenciada num chalé na floresta e taxada como bruxa.
Mas esse não era o final da história. Woolf imaginou que, no futuro, uma mulher genial nasceria. Sua habilidade floresceria – e a expectativa era de que sua voz, sua visão, era digna – dependeria inteiramente do mundo que decidíssemos criar. “Ela viria como se tivéssemos trabalhado para ela”, escreveu Woolf.
Eu não afirmo ter nenhuma genialidade. Mas às vezes, sonho que estou sentada numa sala empoeirada na cozinha do lado oposto de outra versão minha, que senta, ilimitada pelo tempo, bebendo quietamente uma xícara de chá. “Gostaria que visitasse mais vezes”, ela diria para mim. E me pergunto se aquela dor lancinante no meio da noite que, às vezes, se instala como pavor em torno do meu plexo solar pode não ser apenas porque há tão pouco tempo para contar minhas próprias histórias não contadas, mas porque temo que o que pode estar enrolado por dentro pode não valer a pena prestar atenção de qualquer forma. Talvez isso seja o que não quero encarar na sala empoeirada que sonho.
Também penso: e se nós trabalhássemos para criar um mundo para as irmãs de Shakespeare e Mozart, ou para que qualquer outra mulher realmente pudesse prosperar? O que aconteceria se nós decidíssemos que as mulheres merecessem o tempo de ir as suas salas empoeiradas e ficassem à mesa da cozinha? E se todas nós decidíssemos visitar com mais frequência, tomar uma xícara de chá com nós mesmas, ouvindo as histórias enroladas enquanto elas se desenrolam, sabendo que elas tem valor simplesmente porque são verdadeiras? Adoraria ver o que aconteceria em seguida.
Brigid Schulte é uma ganhadora do Pulitzer de jornalismo pelo  The Washington Post e The Washington Post Magazine. Ela também é uma colega da New America Foundation. Overwhelmed by Brigid Schulte foi publicado por Bloomsbury in March 2014
Esse artigo que traduzi foi publicado em 21 de julho de 2019 e está no The Guardian (https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/jul/21/woman-greatest-enemy-lack-of-time-themselves)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Desabafo de mãe militante: uma crise permanente (não é sobre filhxs)

Já faz um bom tempo que não escrevo aqui. Um ano e 5 meses - minha última postagem foi em agosto de 2015.

Estou passando por uma longa crise. Uma crise profunda sobre minha vida militante que interfere diretamente na minha maternagem. Num primeiro momento, após o nascimento do Paco, tentei pertencer a alguma organização para conseguir exercer minha militância da forma mais familiar que conhecia. Depois, empolgada com a volta ao espaço político, tentei junto a outras mães, construir um espaço seguro, acolhedor e de referência para as mães que militam, que querem estar nos espaços públicos e políticos com suas/seus filhas/filhos. Tentei construir com mães que não querem abrir mão de si. Por que militância é isso, uma parte do seu ser.

Não deu pra mim. Não sou afeita à autopromoção (seja ela individual ou coletiva). Também não me cabe um papel autoproclamatório, sendo o que são verdades absolutas, que não podem sofrer críticas nem serem questionadas. Autocrítica está aí para ser feita - balanço, avaliação, reflexão sobre suas próprias ações.

Sou afeita à construção de verdade. Sou afeita à superação com o objetivo de (RE)CONSTRUIR. 

Percebo mulheres muito próximas de mim que não podem se perder na maternidade compulsória. Que não podem contar com a autopromoção alheia para se sentirem bem. Que precisam de apoio para sair de casa, pegar suas/seus filhas/filhos no colo e contar com uma companheira, ou companheiras, para isso. Uma companheira que entenda exatamente o que é o sentimento de fazer parte de algo maior que sua família, sua/seu filha/filho, que se pretende contribuir para a mudança social, para a transformação do quadro político em que nos encontramos.

Não quero construir um movimento, coletivo ou organização para sair nos jornais, ser reconhecido pelo "grande público" ou pela vanguarda creditada. Eu quero construir um espaço real que gere incômodo pelas suas demandas específicas. Demandas que se não forem sanadas gerarão um problema. Um problema social mesmo!

(Escrevo no singular, pois é uma vontade minha. Reconheci essas vontades em outras manas. Mas não posso falar exatamente por elas. Posso somente falar por mim.)

Mulheres que se tornaram mães querem ter o direito à maternidade plena! Mesmo que atualmente, no Brasil, ela seja compulsória.

Quem pariu Matheus que o embale? Na realidade, nos enfiam Matheus goela abaixo e aí se surpreendem quando queremos mostrar ao Matheus um mundo inteiro de possibilidades e não vamos nos trancar dentro de casa. Se surpreendem quando percebem que temos voz ativa e queremos que Matheus reconheça essa voz não só dentro de casa, mas nas ruas. E que a partir desse reconhecimento, Matheus possa perceber que uma mulher pode ser muito mais do que uma mãe que o embalou por tê-lo parido.

É momento de recomeçar, RECONSTRUIR(-SE). 

Minha crise passou? Pouco interessa nesse momento. Até mesmo a mim. Pois a vida é assim mesmo: idas e vindas na reflexão e na prática para nos reconhecermos. E se não nos reconhecermos em algo, para que continuar e se torturar? Também não sou afeita à autoflagelação.

Quero retornar para o dia que era feliz antes de ser mãe, mas agora com meu filho, pois essa é minha condição. Quero me reconhecer e saber que tenho companheiras que estão comigo e que me darão a mão necessária para sair de casa com meu filho no colo. Manas que estão abertas a RECONSTRUÇÃO e a SUPERAÇÃO.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Gênero: um binômio difícil

Outro dia (recentemente até), estava conversando com duas amigas do trabalho. Aliás, uma conversa bem legal, sem muitas polêmicas. São duas pessoas muito abertas e progressistas! Ainda bem que tenho o costume de me rodear por pessoas assim, meio que naturalmente. (Pessoas abertas costumam encontrar seus pares meio que sem querer!)

Enfim, estava conversando sobre a preocupação do mundo (pessoas e sociedade) de que a criança desde seu nascimento tenha um gênero BEM definido. A partir de coisas que muitas vezes achamos ser simples, mas que na verdade tem um papel fundamental na primeira infância: roupas, brincadeiras, atividades, programas infantis, comida, linguagem, afeto, religião. (Listei algumas, sabendo que há mais do que essas)

Expressei uma preocupação muito grande para mim. Cada vez mais tenho me deparado com uma sensação, uma percepção, que muitos não vão concordar, mas que com a qual eu tento trabalhar na minha função de mãe. Crianças não tem gênero! Crianças tem genitais que em algum momento irão lhe dá prazer individual e íntimo e que se desenvolverá, num processo que dever ser respeitado e não apressado ou muito menos oprimido, para um prazer com outras pessoas (ou não, isso também tem que ser levado em conta, mas uma coisa de cada vez).

Eu repito: crianças não tem gênero. O que define o gênero é a sociedade externa - os pais, as mães, os avós, os tios e tias, o vizinho, xs professorxs, a mídia, o mercado. Todo mundo, antes das crianças crescerem e se estabelecerem como homens e mulheres. E tem que ser como homem ou mulher, porque qualquer coisa que fuja disso também vai ser execrado, taxado, julgado, e tudo o mais, MENOS respeitado.

Isso, na maioria dos casos (por favor, não me venham com exceções), é opressor.

Definir um gênero é muito pesado, é muito complicado, é muito complexo. Imputar isso a uma criança é muito sério. A criança é criança!

Meu maior medo é fazer com que meu filho se sinta obrigado a ser alguém. Querendo ou não! A obrigação por si só acaba, termina, devasta a experiência maravilhosa de se descobrir. Além disso, eu realmente acredito que gênero está cada vez mais relacionado ao seu papel sexual na sociedade: submisso ou ativo. Garanhão ou piranha. Respeitoso ou santa. Preso a um rótulo ou preso a um rótulo?

Pensando esse processo pela qual a criança passa, eu fico com muito medo de impor algo ao meu filho. E nessa fase da primeira infância é o momento que mais temos controle sobre a criança. Eu controlo muita coisa: choros de reclamação, a comida, a bebida, o banho, o que assiste, o peso, a altura, as vacinas, as doenças (ou tudo que faço para que não tenha nada). Mas isso, eu não quero controlar!

Faço esforço, converso com o pai, converso com minhas amigas-mães, com minhas amigas que não são mães. E chego a conclusão que definir um gênero é mais difícil do que não definir nada.

Reconheço que vivo numa sociedade que depende muito desse binômio. Tenho medo também de criar meu filho numa bolha. Mas simplesmente é algo que não é fácil pra mim.

Pra mim, Paco será um menino se ELE quiser, será uma menina se ELA quiser e será agênero se quiser. Eu realmente acredito que isso não cabe a mim, não cabe a você, não cabe ao vizinho, não cabe a ninguém.

#ProntoFalei! (UFA!)

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

O PARADIGMA DA ALEGRIA por Erykah Badu (THE PARADIGM OF JOY By E. Badu)

Essa postagem surge de uma leitura de um post feito no Facebook por uma das mais belas cantoras que conheço. Bela porque é uma mulher de luta, possui uma sabedoria sem igual sobre as mulheres, o racismo e a maternagem! Uma das minhas ídolas vivas!

Fiz essa tradução livre de seu post. Porque gostei. Porque me identifiquei. E porque ele pode gerar bons sentimentos nas pessoas ao meu redor! Apreciem! <3

Por E. Badu
Existe um instinto natural que nós, humanos, temos. Independente da nossa posição social, religião, cor ou raça, nós todos temos o desejo primitivo pela imediata, quase inabalável, ALEGRIA. Eventualmente, por meio das experiências dos eventos e das circunstâncias, nós aprendemos que esse desejo talvez seja irracional e não natural. Nós observamos nossas emoções balançar na medida em que somos influenciados pela energia ao nosso redor. Nossa própria resistência ao que é "desagradável" restringe nossos movimentos.

Num estado de auto medicação, nós começamos a nos tornar viciados na nossa dor. Em alguns casos, isso até começa a nos definir. Usamos máscaras para nos proteger e, infelizmente, perdemos de vista quem somos. Esgotados fisica, espiritual e emocionalmente, nos adoentamos e ficamos com muito pouca energia para lidar. Nossa obrigação com os outros é exaustiva. Nossa respiração fica superficial. ALEGRIA parece estar muito longe. E agora estamos presos nas nossas mentes, lotada de pensamentos aleatórios e de medos recolhidos.

Esse lugar se tornou nosso mundo. Nós sabemos que estamos desequilibrados. Alguma coisa tem que mudar. Como nós dosamos dentro de nossas ocupadas vidas para dar a atenção necessária aos nossos seres internos; a parte de nós que, na sua essência, regula nossas mentes, emoções e vital bem-estar? Talvez precisemos mudar nosso jeito de ser, olhando dentro e simplesmente mudando nossa perspectiva e percepção.

PARE. OBSERVE. IDENTIFIQUE. ACEITE. ELIMINE.

A mulher sábia sabe, instintivamente, que para de fato perceber-se, deve-se parar. Deve desistir de coisas que não mais a envolve ao identificar que coisas são essas. Ela percebe que a maior ALEGRIA humana que nós procuramos somente pode ser achada na total aceitação de quem realmente somos e não nos avatares que criamos para nos definirmos. Quando se está completamente presente e consegue ver seu verdadeiro eu claramente, ela percebe que a necessidade da ALEGRIA se dissolve assim como a resistência à dor. Ela os substitui com humildade, por que agora ela confia no fluxo da vida. Ela se torna única com tudo.

É nesse exato momento de completa aceitação onde ela se transforma. É nesse estado de consciência que ela se expande, contrai e respira vida dentro de seus pensamentos. Ela agora sabe que esses pensamentos se transformam sua realidade. Ela sempre soube. Ela é

A SÁBIA.
A CURANDEIRA.
A DOULA.
A FEITICEIRA.
A VIDENTE.
A GUARDIÃ DA SABEDORIA.
A SANGOMA.
A MGANGA.
A MCHAUI.
A CURADORA.

Nós temos que lembrar que nós somos poderosas, sem parâmetros de comparação. A cada obstáculo com o qual nos deparamos é outra oportunidade de usar nosso poder. É um passo em direção à grandeza. Afinal, nós pedimos para ser grandes."

Esse texto me lembrou o processo do meu parto: consciência, contração, dor e pura ALEGRIA!

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Sobre sentir conforto em uma mulher estranha

Hoje vim no metrô pensando coisas diversas e me lembrei do momento quando estava fechando minha conta num banco qualquer da vida e fui atendida por uma mulher muito simpática. Já estava com alguns meses adiantado na gravidez, acredito que entre o 6o e o 7o mês. Me lembro desse dia com certo carinho, não porque estava fechando mais uma conta que me dava dor de cabeça, mas pela forma como aquela mulher conversou comigo.

Naqueles momentos de silêncio quando estamos resolvendo alguma coisa, sempre falta um tópico de conversa com estranhos. No entanto, quando se está grávida, você é um tópico de conversa ambulante. Não precisa-se falar do tempo e sim de quantos meses você já está, se esta ansiosa, se vai fazer parto normal ou cesárea, quantos quilos tem a criança, comprimento, se é menina ou menino, essas coisas diversas e perfeitas para fazer uma conversinha rápida. Nunca me importei! Achava bom inclusive!

Conversando com ela fiquei sabendo que também já esteve grávida, que na época tinha um filho pequeno. Falou da gravidez brevemente mas com um sorriso no rosto - não sei se para mostrar uma simpatia obrigatório, gosto de acreditar que estava tendo boas lembranças da época. Me perguntou se estava tudo bem e eu disse que sim, mas que estava um pouco ansiosa com o parto. (Não estava ansiosa com a dor nem nada disso. A ansiedade vinha do fato de eu ter recentemente largado meu médico fofo cesarista que não acreditava na dor do parto, para ser acompanhada e parir no SUS. Deu tudo certo.)

Imediatamente, ela se prontificou em dizer, afirmar e confirmar, com um sorriso no rosto e uma calma muito boa na forma de falar e na voz "não fique pensando nisso não. Vai dar tudo certo. Você vai ver. Deixe chegar a hora de parir e você vai ver que vai ficar tudo bem".

Gente, essas palavras vieram como um conforto incrível! Aquela mulher estranha a mim, que nunca vi na vida, que não me conhecia em nada e não sabia o motivo da minha real ansiedade, foi incrível! Acredito que ela não tenha a menor noção disso, mas eu saí tão bem daquele banco e tão agradecida a ela. Uma simples frase, uma afirmação tão real para ela, acabou se tornando uma possível realidade para mim.

Daí, eu vim pensando no metrô, como o poder de solidariedade entre as mulheres é algo poderoso! Vim pensando que empoderar uma mulher por dia pode ser perceber uma questão/problema/angústia que a aflige e dizer que vai ficar tudo bem. Que é possível passar por tudo e ficar bem. Tudo bem (aliás, deve-se!) ficar angustiada, com raiva, com medo, receosa e chorar, porém, lembre-se que vai ficar tudo bem. Olha para mim, tente enxergar conforto no que falo, pois vai ficar tudo bem. Vamos pensar juntas, vamos discutir juntas, vamos ficar juntas. Assim, vamos fazer tudo ficar bem.

Não pensem que estou cheia de pensamentos polianescos ou que estou vivendo num mundo cor de rosa. Eu sei que as mulheres sofrem todos os dias. Principalmente as mulheres negras e pobres! Todo dia sofremos com a opressão. Todos os dias leio casos de violência contra a mulher. Todo dia temo por mim e pelas minhas companheiras/irmãs. Sinto dor quando algo acontece com elas. E, exatamente por isso, eu acredito no poder da sororidade. Eu acredito que se eu olhar para uma mulher estranha a mim e por acaso conversar com ela e oferecer por segundos uma palavra de carinho e/ou um olhar de compaixão e compreensão, ela vai se sentir melhor. Ela não vai se sentir sozinha, pelo menos naquele momento.

Não é um olhar ou uma palavra condescendentes! Por favor, esse não! Esse é a reprodução de um paternalismo escroto que vitimiza e julga a mulher, além de nos coloca num lugar de inferioridade e submissão!

Estou falando de empatia... Compreensão... Nos colocar no lugar da outra, mesmo que por alguns segundos e perceber de onde vem a angústia! Nos reconhecer nesta angústia! E nos dispormos a conversar e não julgar essa angústia.

Por isso, eu acredito que é mais possível empoderar uma mulher por dia do que imaginamos. Não estou dizendo que é fácil ou simples, mas que é possível.

Não há nada mais poderoso do que ver um grupo de mulheres, discutindo seu futuro. Pensando formas de dar por fim sua opressão. Somando e abraçando umas às outras! É foda de maravilhoso ver mulheres dialogando, se despindo e aos poucos se desfazendo de preconceitos, mitos e valores escusos desse capitalismo de merda!

E nesse momento estou cheia de bom humor, pensando nas possibilidades infinitas por pensar que não estou sozinha e que não quero estar sozinha!

#MulheresDoMundoUnivos #EmpodereUmaMulherPorDia

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Hábito familiar? Não. Hábito do Capital em te fuder diariamente...

Meus dias não têm sido muito bons. Troquei de trabalho. Caí de paraquedas num outro lugar. Voltei a trabalhar 40 horas semanais, que na verdade são 45 horas e que na verdade são 55 horas contando o deslocamento diário. 11 horas por dia voltadas única e exclusivamente para o ato de trabalhar, me manter empregada, recebendo um trabalho.

Duas semanas, indo completar a terceira em breve. Dias estressantes, quase que insuportáveis. Trânsito sem igual, porque o RJ é isso, sinônimo de trânsito. Prefeito Dudu taí pra ferrar mais a vida de mães e pais, que só convivem com seus filhos na hora de jantar e dormir. Não é a toa que cada vez mais me deparo com mulheres e homens que tentam mudar um pouco isso, mudando de vida mesmo.

Daí, nessas três semanas, me deparo constantemente com uma porra de uma notícia me dizendo que meu filho tem que dormir às 20h. Tem que dormir pelo menos 11 horas por noite, senão seu desenvolvimento fica comprometido. Aí eu me pergunto: o desenvolvimento do meu filho não vai ficar comprometido se ele só conviver comigo 2 ou 3 horas por dia? O desenvolvimento dele não vai ficar comprometido se eu não deixar de atendê-lo durante seus despertares noturnos? O desenvolvimento dele já não está comprometido pelo fato de eu ter começado a trabalhar em seus 4 meses de vida? Ter feito uma introdução alimentar antes dos 6 meses por não produzir leite em quantidade?

Engraçado que na porra da notícia qual o vilão contra o sono cedo? Os hábitos familiares! Caralho! (só dizendo assim)

Os hábitos? Os hábitos familiares? Não é o fato de eu ter que ficar fora de casa das 7h30 às 18h30, chegar na casa dos meus pais, pegar a criança e só chegar em casa de verdade às 20h? É o meu hábito familiar o real problema...

Que porra de artigo é esse? Você não chuta cachorro morto não, cara! É desleal!

Hábito familiar é o cacete! O vilão dessa merda é essa sociedade capitalista, enlouquecida que finge que se importa comigo e com meu filho, que me faz passar a vida útil do meu dia em função de um emprego! Me fazendo mandar um grande foda-se pro meu filho. Essa licença maternidade ridícula.... Pelamadrugada! É cruel, perverso e cretino!

E aí me vem gente falar que é só querer... Querer não é poder! A gente não pode largar o trampo pra ficar com a cria, a gente não pode pedir prx chefx pra sair mais cedo pra poder curtir uma ou duas horinhas a mais x filhx, a gente não pode sair correndo pelas ruas do RJ pra fugir do trânsito (quase ninguém mora tão perto assim do trabalho)... Na real, a gente pode muito pouco u quase nada.

Mas o que a gente não pode mesmo é se deixar levar por um artigo que não mede as palavras e a realidade da nossa vida urbana.

Paro por aqui que a dor de cabeça já me chegou no útero!